A Questão da Preservação Ambiental: Uma abordagem sociológica
A preservação ambiental, como
tema de debate contemporâneo, geralmente é abordada por meio de discursos
moralizantes que atribuem aos indivíduos a responsabilidade pela degradação
ambiental. Um exemplo disso é a popularização do conceito de “pegada decarbono”, que calcula a quantidade de emissões de gases de efeito
estufa de cada pessoa, responsabilizando o consumidor final pelos impactos
ambientais. Essa abordagem ignora o papel das grandes corporações e dos
sistemas de produção em larga escala, que estão entre as maiores fontes de
degradação ambiental, e coloca sobre os indivíduos o peso de reduzir seu
consumo e modificar seus hábitos como solução para a crise ambiental. Esse
enfoque, ao centrar-se no comportamento dos indivíduos, ignora questões estruturais
mais profundas, como desigualdades sociais, Modelos de Produção e
Consumo, Dependência de Combustíveis Fósseis, Concentração de renda e capital, Desigualdade
no Acesso a Recursos Naturais, falta de infraestrutura de Transporte coletivos,
Poder político e democracia, Concentração
de terras e recursos naturais, ou seja, todos os elementos maiores,
estruturantes e interdependentes que sustentam essa crise.
A Sociologia e o Meio Ambiente:
Uma Perspectiva Crítica
Para a sociologia, o meio
ambiente deve ser compreendido não apenas como um conjunto de recursos naturais
a serem preservados, mas como um espaço onde interações sociais, econômicas e
políticas configuram as formas desiguais pelas quais diferentes populações são
afetadas pela degradação. No contexto amazônico, a
pesca ilegal do pirarucu é um exemplo que expõe um sistema em que populações
vulneráveis, muitas vezes em situação de extrema necessidade, são cooptadas por
redes ilegais de tráfico e exploração para garantir sua sobrevivência, como
apontado em reportagem do The Guardian. Nesse cenário, comunidades locais, submetidas a
condições de precariedade econômica e exclusão social, são frequentemente
levadas a participar de atividades que prejudicam o meio ambiente por falta de
alternativas viáveis de subsistência.
Esse fenômeno é um exemplo do
que sociólogos e ecologistas políticos denominam de "ecologia das
desigualdades" — uma realidade onde a degradação ambiental e as injustiças
sociais são inseparáveis, refletindo estruturas de poder e exploração que
transcendem a escala local. Jason W. Moore, por exemplo, afirma que o sistema
capitalista funciona como uma "máquina de extração" que transforma a
natureza e os recursos em mercadorias, concentrando os lucros nas mãos de
poucos e externalizando os custos para as populações mais vulneráveis e para o
próprio meio ambiente. Moore sustenta que, sem a crítica ao que ele chama de
"capitaloceno", a tendência será de aprofundamento dessas
desigualdades e de aceleração das crises ecológicas, pois o modelo econômico
atual depende de uma exploração infinita e insustentável de recursos finitos.
Nancy Fraser complementa essa análise ao enfatizar que as injustiças ambientais são parte de uma "injustiça social estrutural", onde o sistema econômico privilegia o lucro e a acumulação de riqueza, enquanto marginaliza os direitos das comunidades locais sobre seus territórios e recursos. Fraser defende que qualquer proposta de justiça ambiental precisa questionar as bases de um modelo econômico que gera desigualdade e degradação simultaneamente, buscando soluções que levem em conta tanto a proteção ambiental quanto a redistribuição de poder e recursos. Assim, a "ecologia das desigualdades" aponta para a necessidade de soluções integradas que não só combatam a degradação ambiental, mas que também enfrentem as raízes estruturais da desigualdade, transformando a relação entre sociedade e natureza em uma direção mais justa e sustentável.
A narrativa ambientalista
predominante, que atribui ao consumidor a responsabilidade pela crise
ecológica, desvia a atenção das estruturas econômicas e das grandes
corporações, favorecendo uma visão atomizada e insuficiente. Campanhas para
reduzir o uso de plásticos, por exemplo, insistem em mudanças de hábitos
individuais, mas raramente cobram regulamentações ou restrições efetivas para
as indústrias que produzem esses materiais em larga escala. Estudos em ecologia
crítica apontam que esses discursos servem para desviar a crítica das práticas
industriais e empresariais, que são as principais responsáveis por emissões
poluentes e pelo esgotamento de recursos naturais. Dessa forma, o foco
individualista reforça a manutenção do sistema de consumo, pois alivia a
pressão para mudanças sistêmicas e estruturais necessárias para enfrentar a
crise ambiental.
Um exemplo claro dessa contradição está no incentivo ao uso de garrafas
reutilizáveis de plástico, enquanto grandes corporações continuam a produzir
milhões de garrafas descartáveis. Ao adotar essa abordagem, as empresas
perpetuam práticas de produção insustentáveis, mantendo a aparência de
responsabilidade ambiental que, na prática, é transferida ao consumidor final.
Um fenômeno semelhante ocorre na indústria da moda, onde campanhas de
“consumo consciente” promovem roupas sustentáveis, enquanto grandes marcas
ainda operam sob o modelo de fast fashion, que gera uma imensa
quantidade de resíduos e incentiva o rápido descarte de produtos. Essa dinâmica
é visível no deserto do Atacama, no Chile, que se tornou um dos maiores lixõestêxteis do mundo devido ao descarte massivo de roupas produzidas pelo fast
fashion. Milhares de toneladas de roupas que não foram vendidas ou recicladas
são enviadas ao Atacama todos os anos, poluindo o solo e contribuindo para uma
paisagem devastadora de resíduos têxteis em pleno deserto. Esse fenômeno expõe
como a responsabilidade ambiental é frequentemente deslocada para o consumidor,
enquanto as grandes empresas mantêm processos de produção altamente poluentes e
descartáveis, ilustrando o custo ambiental oculto por trás da aparente
sustentabilidade promovida por campanhas de marketing.
A Crise Socioambiental e o
Capitalismo
A crise ambiental contemporânea
está profundamente enraizada nas lógicas do capitalismo, que coloca o lucro
acima dos limites ecológicos e sociais. A partir da Revolução Industrial, o
capitalismo acelerou um consumo em massa que exige exploração crescente de
recursos naturais, levando ao esgotamento de ecossistemas e ao aumento da
desigualdade. Esse sistema econômico, ao tratar os recursos como bens de
mercado e mercantilizar a própria natureza, promove uma extração contínua e
insustentável de matéria-prima, sem considerar os impactos a longo prazo.
Um exemplo claro é a expansão da
indústria de combustíveis fósseis, que promove o uso em larga escala de
petróleo, carvão e gás natural, apesar dos conhecidos impactos na mudança
climática. Estudos sobre ecologia política indicam que a dependência desses
recursos, associada ao consumo de massa, é mantida e incentivada por governos e
empresas, enquanto os impactos sociais e ambientais afetam principalmente
populações já vulneráveis. Além disso, o agronegócio voltado para monoculturas,
como a soja e o milho para ração animal, tem levado ao desmatamento de vastas
áreas, especialmente em regiões como a Amazônia e o Cerrado, afetando comunidades
locais e povos indígenas, que sofrem com a perda de território e recursos.
Outro exemplo da relação entre capitalismo e degradação ambiental é a
expansão da mineração e de outras atividades econômicas predatórias em terras
indígenas e áreas protegidas. Governos e corporações frequentemente promovem
essas atividades como caminhos para o desenvolvimento econômico, mas as
populações locais, que dependem diretamente da natureza, são as mais afetadas
pela contaminação e perda de recursos naturais. No Brasil, além do governo e
das corporações, o crime organizado também passou a atuar nesses territórios,
explorando ilegalmente minérios, madeiras e outras riquezas naturais. A
presença dessas organizações criminosas agrava ainda mais a situação das
populações indígenas, que enfrentam um aumento na violência, desestruturação
social e destruição de suas fontes de sustento. A contaminação dos rios por
mercúrio e outros poluentes tóxicos, resultante da mineração ilegal, é um
exemplo desse impacto devastador que afeta diretamente a saúde e a segurança
alimentar dessas comunidades. Para pesquisadores da ecologia política, é
essencial reavaliar essas práticas, pois o modelo econômico atual incentiva a
destruição da natureza em nome do lucro, gerando impactos desiguais e prejudicando
principalmente as populações marginalizadas e ambientalmente vulneráveis.
Caminhos para uma Nova Relação
com a Natureza
Para uma nova relação entre a
sociedade e o meio ambiente, é fundamental adotar uma perspectiva de justiça
ambiental e justiça social e implementar políticas públicas inclusivas.
Iniciativas como a economia circular, que visa reduzir o uso de recursos
naturais e promove a reutilização e reciclagem, são alternativas que podem
diminuir a pressão sobre o meio ambiente e distribuir de forma mais justa os
benefícios e custos do consumo. A criação de incentivos para agricultura
familiar e sustentável também pode oferecer alternativas de subsistência para
as populações rurais, reduzindo a necessidade de se submeterem a atividades
predatórias.
Além disso, a promoção de
políticas de redistribuição de terra (reforma agrária) e renda e o fortalecimento das economias
locais são fundamentais para criar opções de sustento para comunidades
marginalizadas, oferecendo-lhes autonomia sobre a gestão dos recursos naturais.
Iniciativas como cooperativas agroecológicas e o apoio à produção local e
artesanal podem garantir meios de sobrevivência mais justos e sustentáveis,
especialmente para populações tradicionais que possuem uma relação direta com a
terra.
Um exemplo inspirador
é o modelo de manejo sustentável praticado em áreas de proteção ambiental no
Brasil, onde comunidades tradicionais participam ativamente da gestão e
conservação dos recursos naturais, utilizando-os de forma equilibrada e
duradoura. Experiências como essas demonstram que é possível conciliar a
preservação ambiental com o desenvolvimento social e econômico das populações
locais, desde que se adote uma abordagem participativa que respeite os
conhecimentos e práticas tradicionais dessas comunidades. Além disso, pesquisas
recentes apontam que a produção agrícola nacional não precisa necessariamente
expandir suas fronteiras, como muitas vezes é sugerido, mas pode melhorar sua
eficiência e sustentabilidade por meio do uso de tecnologias adequadas. Dessa
forma, ao invés de desmatar novas áreas, a modernização da produção agrícola
pode ser realizada dentro das fronteiras existentes, promovendo um desenvolvimento
mais equilibrado e sem os custos ambientais da expansão. Esse conjunto de
soluções, quando aplicado de maneira integrada, não só preserva o meio
ambiente, mas também contribui para o fortalecimento das comunidades e a
garantia de um futuro mais sustentável para todos.
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