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A formação do povo brasileiro e as Teorias Racistas europeias

A formação do povo brasileiro e as Teorias Racistas europeias





Antes de pensar sobre como o racismo está presente no Brasil é importante definir o que é o Racismo.
Racismo, antes de tudo, é uma forma de exclusão social que atinge a população negra do país. Mas para saber como esse tipo de exclusão social passou a se fazer presente no nosso país é necessário caminhar um pouco atrás na história e entender primeiramente os processos do Tráfico Negreiro no séc. XV, depois como a Europa formulou o conceito de raça no séc. XIX e por fim, a maneira como as elites e pensadores brasileiros se apropriaram dessa herança para formar uma noção da identidade do povo brasileiro.
Antes de entrar nessa tentativa de entender historicamente o racismo é preciso compreender que Racismo e Discriminação ou Preconceito não são as mesmas coisas. Como dito, Racismo é uma forma de exclusão social que atinge a população negra do país, por meio de mecanismos sofisticados que impedem a mobilidade social desta população. Veremos quais são estes mecanismos adiante. No entanto discriminação e preconceito também podem gerar algum tipo de exclusão, mas não sempre. Para que exista Racismo é necessário que haja relações de poder capazes de definir em grande parte os destinos dos grupos discriminados.


Raça: dois conceitos.

                Há poucas palavras tão confusas como Raça. O que chamamos de raça, é apenas um elenco de características anatômicas: a cor da pele, a contextura do cabelo, a altura média dos indivíduos, etc. (Santos, 1980). A Biologia moderna toma estas características apenas como características externas das Espécies. Assim as Espécies são definidas de outra forma. Os seres vivos, na verdade, são agrupados em uma mesma Espécie por causa seus vínculos genealógicos com o ascendente que o deu origem dentro da cadeia evolutiva (Ingold, 1995).

Portanto, a humanidade enquanto espécie – como qualquer outra espécie - é um contínuo de variação, composta de uma grande variedade de diferenças sutis, e que no entanto descendem de uma origem comum. Toda e qualquer divisão desse campo é uma construção Histórica e Social, produto artificial de nosso pendor para a classificação e estereótipos (ingold, 1995). Eis aí uma divisão importante. Raça possui dois conceitos, um científico, formulado pela Biologia moderna, outro Histórico, construído ao longo do tempo pela civilização no processo de colonização e expansão europeia.

Mas, então, poderíamos argumentar: se não existe Raça, logo não existe Racismo... Bem, as coisas não são bem assim. Seria leviano imaginar que o Racismo acaba tão logo deixemos de falar sobre ele ou negá-lo. A negação é justamente um dos aspectos que fortalece o Racismo.


O Racismo como Teoria

Embora hoje saibamos que não existem raças, falando do ponto de vista da biologia moderna, no passado foi a própria ciência – que era muito mais uma ideologia do que qualquer outra forma de conhecimento – que procurou criar uma teoria das raças. O Racismo como ciência foi uma tentativa desastrosa e vil de explicar as diferenças dos comportamentos dos sujeitos através de fatores biológicos. A maioria dos pensadores europeus tentaram “provar” que homens e mulheres negras são inferiores a homens e mulheres brancas em inteligência, capacidade de aprendizado, concentração, moral, etc. ou ainda que, devido a fatores hereditários, os mesmos são propensos ao crime, ao delito, a vadiagem, e vários outros aspectos depreciativos. As teorias racistas eram obstinadas neste proposito e permaneceu nesta tentativa durante um longo tempo.


No século 19, os britânicos usaram formulações teóricas raciais onde a craniometria era usada como prova "científica" para justificar as políticas racistas contra os irlandeses e os Africanos, que consideravam raças inferiores. Os crânios irlandeses teriam a forma dos homens de Cro-Magnon e eram aparentados dos primatas.


Os Resultados destas ideias moldaram o mundo como o conhecemos hoje. Se rastrearmos sua origem no passado, com a própria escravidão do séc. XV, será possível notar as linhas de continuidade delas no mundo contemporâneo, como a Segregação Racial, representação depreciativa de homens e mulheres negras, o genocídio, e de modo geral a exclusão estrutural destes grupos em diferentes lugares e contextos.




A escravidão ao longo do tempo: da África ao Brasil








Os povos, na história, ao longo do tempo, sempre classificaram, representam e discriminaram seus vizinhos. Por exemplo, os Gregos classificavam os outros povos do mediterrâneo como Bárbaros, isso porque eles não tinham a mesma cultura e principalmente não falavam a língua grega ou mesmo porque não possuíam o mesmo conjunto de leis que regulavam a vida coletiva grega. Vejam, este tipo de diferenciação, é um etnocentrismo, mas não um Racismo. Pelo menos não um Racismo do tipo que iria acontecer no mundo europeu séculos mais tarde, com as grandes navegações e a invasão das Américas, África e parte do Oriente.

As explorações das colônias foi o momento culminante de uma nova ideia de Racismo. A Europa, os países coloniais como Portugal, Espanha, Holanda e Inglaterra buscaram na África a mão de obra para a produção da lavoura açucareira. Para fazê-lo instituíram no continente através de trocas comerciais com os reinos locais um tipo novo de escravidão e outras diversas formas de violência. A escravidão e o comércio de pessoas na África existiam antes da chegada dos europeus, mas é importante notar que a presença europeia no continente africano alterou as relações pré-existentes. Para resumir, podemos dizer que houve escravidão doméstica em África e escravidão cristã na diáspora provocada pela expansão europeia. (para entender melhor a diferenciação destes tipos de escravidão é necessário ler a historiografia a respeito, mas por hora não vamos nos aprofundar nesse tema. Para quem possui interesse sugiro acessar os links: resumo escolar do tema e o capítulo 1 do livro: Uma história do negro no Brasil. Livro completo aqui).
De modo geral podemos definir a escravidão como instituição colonial para resolver o problema da força de trabalho ausente no processo exploratório das terras e nações do novo continente. A Diáspora Africana, processo histórico que assim é denominado devido ao êxodo da população do continente, levaram à força homens e mulheres negras ao continente americano, ao Caribe e à América do Norte como produtos da riqueza a ser defendida e expropriada pela economia mundial como um negócio global surgido da exploração das colonias.


Violência e Racismo na era colonial



Mas a escravidão, um máquina descomunal de violência, por mais que estivesse baseada no poder dos dominadores necessitava ser justificada. Ou seja, era necessário argumentos para que as práticas usuais do período fossem aceitas, reproduzidas e se perpetuassem.

Então como justificar a escravidão? Como justificar a violência e os horrores do ato e o que ele envolve em si?

Para justificar este sofrimento imposto em favor de uma ordem econômica haveria que existir alguma justificativa.

1) O aspecto religioso. O Negro, na visão dos colonizadores europeus, não possuia alma. Ao fazer cativos milhares de africanos o europeu difundiu que este não possuía alma e portanto poderiam ser escravizados e “civilizados”. Os africanos passaram por um processo violento de Desumanização, uma visão que permanece ainda difundida em uma série de atitudes racistas. A Igreja católica, através da bulas legitimava a escravidão e a conquista dos infiéis com o objetivo de conversão ao cristianismo e justificava a expansão marítima portuguesa.

2) O complexo de superioridade europeu. Os povos europeus eram tidos, por eles mesmo, como o ápice da evolução humana.

3) O lucro das operações que envolviam o tráfico. O comércio transtlântico de escravos era uma atividadeamplamente lucrativa e movia interesses comerciais de nações europeias e poderes locais africanos e das colônias como Brasil.

Essas ideias criaram uma ideologia racista bastante conveniente, ao mesmo tempo que servia para legitimaras violências atrozes, convencia os sujeitos e as instituições sociais, como a igreja, o Estado, e os cidadãos comuns, que aquela concepção de homem era a correta. O desprezo, a pureza de sangue, a desumanização dos homens e mulheres negros, etc. se tornaram assim mecanismos de exclusão e violência que organizava as relações sociais.

A noção europeia de racismo (que é nova, diferente da antiguidade e da tradição que ocorria, por exemplo, na África, na Grécia, Roma, etc.) introduz então uma nova forma de enxergar a diferença entre os povos.


Mapa da Diáspora africana. Note as rotas transatlânticas que surgem a partir do continente. A largura das setas que direcionam as rotas representam a proporção de cativos enviados para cada região do mundo.



Após a escravidão, cada nação que recebeu homens e mulheres provenientes da diáspora africana organizou ideologias e formas de classificar, perceber e discriminar os povos africanos em seus territórios. Essas ideias se aguçavam, principalmente, quando as relações de miscigenação das raças se tornaram uma possibilidade e uma realidade, sendo impeditivas ou experienciadas, nos países europeus e nas colônias.

Todos as potencias europeias da época participaram do tráfico negreiro e dele tiraram conclusões racistas e conceberam ideologias racializadas sobre as diferenças. Os Franceses, por exemplo, criaram – anos decorridos a escravidão- um sistema de classificação com base na origem da pessoa, que era definida pelas suas origens fixada entre um polo negro e um branco. Por exemplo, uma teoria formulada neste período dizia que todo sujeito é composto de 128 partes, suas probabilidades de origem. Assim conforme cada parte de sangue negro ou europeu que o indivíduo possuía definiria algumas de suas características e comportamentos. 

Um dos aspectos mais manifestos dessas classificações e ideologias racistas – e o que é mais importante para nós, já que as achamos tão idiotas hoje em dia – é que essa porcentagem de sangue negro no indivíduo é que definia o comportamento dos sujeitos em sociedade segundo o pensamento da época e isso foi incorporado pelas elites brasileiras ao pensar políticas para a formação da população do país.


Correlações com o presente: O Brasil e as teorias racistas do séc. XIX


Tais teorias diziam que homens e mulheres negras eram incapazes de serem organizados, laboriosos, capazes de criar qualquer tipo de civilização e progredir enquanto povo, incapazes de formar uma nação, de se organizarem politicamente, etc.. Assim, a mistura racial era totalmente condenável, pois implicava exatamente em degenerar a pureza e o ápice que representava a raça branca europeia.
A fala de um dos teóricos europeus ilustra bem essa ideia.

“Um sangue misturado, mesmo chegando à sétima ou oitava geração, mesmo chegando ao ponto em que a cor teria a aparência de um europeu, seria sempre um sangue misturado e não poderia se dizer igual a caminhar de par com um branco europeu”. (Y. Debbasch. Apud. Munanga, 1999)

Mas se por um lado alguns destes europeus, como Gobineau, afirmassem que a raça ariana é a raça suprema, e que mistura de raças degenerasse as raças brancas, alguns defendiam que este era a única maneira de anular o caráter de incapacidade dos negros africanos, e mesmo dos indígenas brasileiros. No entanto eles não viam essa mistura como algo positivo, onde a população negra e branca chegariam a laços harmônicos, mas sim como uma espécie de engenharia social destinada a erradicar os caracteres negros das populações mestiças.

As teorias espúrias do racismo científico se valeram de interpretações religiosas e da ideologia da dominação colonial para defender o branqueamento da população brasileira no século XIX. O quadro A redenção de Cam, de Modesto Brocos, 1895 é uma representação dessa ideologia.


  • Como essas teorias influenciaram o Brasil, a forma da identidade brasileira?
  • Como estes fatos que aconteceram no passado estão presentes hoje, na vida cotidiana?

Responder essa pergunta não é fácil, mas ela deve ser feita... só podemos nos pensar historicamente. As ideologias racistas estiveram presentes durante toda historia do Brasil, principalmente nas formulações das elites do país, eles fizeram usos diferentes dessas ideias, as transformaram e as ajustaram a interesses e realidades concretas.

Como acontece sempre com as elites dos países colonizados, o que ocorreu foi a incorporaçãode teorias e pensamentos que se produzia na Europa. As elites brasileiras precisavam responder a um problema premente da nação pós-independência. No séc. XIX o Brasil passava por um processo de independência e precisava construir uma identidade nacional, era necessário um povo para fazer a nação progredir, e o progresso era a tônica da época. Anteriormente a identidade da nação não era um problema e o Brasil não era visto como uma unidade, mas sim como uma região repleta de brigas internas e ameaças separatistas permeado de poderes localizados.

A realidade populacional do país naquele momento poderia ser resumida assim: haviam vários grupos étnicos, africanos de diferentes origens, indígenas isolados, indígenas em meios aos centros urbanos, uma minoria misturada (os ditos mulatos)... enfim, uma variação de populações, uma verdadeira colcha de retalhos étnica formada em sua maioria por negros e mestiços.

Há estimativas de que “Seriam quase 5 milhões de escravos importados, em comparação com pouco mais de 700.000 colonizadores portugueses - uma proporção, portanto, de cerca de sete para um.”

Então como transformar essa variedade, esse povo heterogêneo numa unidade? numa identidade, num país?

A discussão se encaminhou basicamente para o problema da mistura de raças. Intelectuais da época afirmavam diferentes pontos de vista, que convergiam no problema da raça. Esta elite do país promoviam discursos, ditos muitas vezes na tribuna do congresso ou nas páginas dos jornais diários. Abaixo algumas frases colhidas de pensadores, jornalistas e cientistas do período:
        
“a julgar por certos fatos, a mistura entre as raças de homens muito dessemelhantes aprece produzir um tipo sem valor, que não serve nem para o modo de viver da raça superior (branca) nem para o da raça inferior (negro, índio), que não presta enfim para gênero de vida algum”
(Nina RodriguesMestiçagem, degenerescência e crime, 1899. [Transcrição do texto aqui])

“ A influência do Negro há de constituir sempre um dos fatores da nossa inferioridade como povo; nada poderá deter a eliminação do sangue branco” 
(Nina Rodrigues.  Os africanos no Brasil, 1890. [Transcrição do texto aqui])

Estes pensadores tinham em mente que havia uma raça superior e outra inferior, até mesmo os abolicionistas. Mas alguns acabaram por influenciar a opinião pública de que a miscigenação embora trouxesse males, como a degenerescência da raça melhor, seria o melhor caminho.

Com o decorrer de alguns anos, o Estado brasileiro adota a postura de extinguir ou neutralizar as marcas africanas do país, a ideia era extinguir o sangue negro através do sangue branco. Oliveria Viana, um dos pensadores que teorizavam sobre a questão das raças diz o seguinte:

“Uma parte da população negra morrerá, pela decadência moral e física. A outra será absorvida e em sucessivas gerações irá se diluir na parte branca”. Eis o ideal do branqueamento.

Estes pensadores se furtavam de observar que as condições de ascensão dos negros recém-libertos e da grande quantidade de pessoas em condições inadequadas de vidas decorrentes do sistema colonial, ao contrário, buscava unicamente na psicologia deles o motivo de suas dificuldades estruturais. Eram péssimos observadores de sua época, pois insistiam em explicar as dificuldades estruturais desta população com base no seu aparato biológico, sua origem africana que foi historicamente depreciada.

1910-1920 : Eugenia/ embranquecimento: a formação da República e o racismo




A convicção e o desejo de extinguir a população negra do país, substituindo-a por um estoque europeu, não tardou se concretizar. No período pós-guerra vieram para o Brasil milhares de imigrantes europeus fugindo da fome e da miséria de uma europa devastada pela guerra. Começa um novo episódio da mistura de raças no Brasil.

No Brasil, assim como em muitos países da América Latina, a eugenia foi incorporada aos projetos políticos e científicos que almejavam produzir uma ampla reforma social, nos quais a eugenia teria como função melhorar o aspecto físico, moral e mental da “raça nacional”.

Escritores, psicólogos, geólogos e outros tipos de intelectuais da época como Arthur de Gobineau, Louis Couty e Louis Agassis – que estiveram no Brasil durante a década de 1860 –, além do inglês Thomas Buckle, consideravam o Brasil como um “território vazio” e “pernicioso à saúde”, enquanto os brasileiros mestiços eram vistos como “seres assustadoramente feios” e “degenerados”. Para esses viajantes, uma conjunção de fatores climáticos e raciais, sobretudo a “larga miscigenação”, era mobilizada para explicar a suposta inferioridade do homem brasileiro e a impossibilidade de o Brasil acessar os valores do “mundo civilizado”.

A maneira de modificar esse quadro era introduzindo, através da migração, uma contrapartida branca no território. Junte-se a isso a necessidade de mão de obra para um sistema econômico que buscava se modernizar e se distanciava da estrutura econômica da lavoura.

Conclusão.

Estes fatos históricos são importantes para primeiramente pensar que o Brasil não é um “paraíso racial” como muitas vezes se atribui esse título a ele. A história da formação do povo brasileiro passa por uma violenta rejeição da matriz africana da população do país. O Racismo enquanto fenômeno contemporâneo está carregado de algumas dessas formações que se deu ao longo do tempo. Na verdade a própria formação do povo brasileiro, a formação do país como Nação e identidade é permeada pelo racismo. Sobretudo porque nossa identidade nacional é uma engenharia social que ofusca o racismo que a produziu.

Outra coisa importante a se notar é que o ideário do branqueamento do séc.XVIII e XIX dividiu negros e mestiços e alienou o processo de identidade coletiva dos negros no país. Por exemplo, no próprio contexto da escravidão, os Mestiços, que eram filhos da classe senhorial branca com mulheres escravizadas, cumpriam funções de polícia, capturando, castigando e supervisionando o trabalho cativo nas senzalas. Esse sujeito se desprendia, sutilmente, do mundo dos escravos, extinguindo seus vínculos identitários com ele, mas ao mesmo tempo, paradoxalmente, não tinha uma adesão tal e qual aos brancos na Casa Grande. Essa situação contribuiu para o enfraquecimento do sentido de solidariedade entre homens de ascendência africana.


Continuaremos nas próximas aulas...

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