A Identidade brasileira e a Democracia
Racial.
Conforme vimos, Identidade é um processo histórico. Quem
nós somos ou como nos vemos depende de um longo processo de adesão dos
indivíduos aos símbolos e a cultura vigente.
A busca de um
tipo nacional representativo levou Gilberto Freyre, um intelectual brasileiro,
a formular de uma maneira diferente o problema da Mestiçagem no Brasil (como
vimos, anteriormente Mestiçagem era vista como uma degeneração das raças). Freyre
criou uma ideia de que o Brasil é uma “democracia racial” (embora ele mesmo não
tenha empregado este termo em seus escritos), ou seja, uma sociedade racial e culturalmente misturada onde as diferentes raças
convivem de modo mais ou menos harmônico. Segundo esta visão, na sociedade
brasileira “brancos e negros convivem harmoniosamente, desfrutando iguais
oportunidades de existência, sem nenhuma interferência, nesse jogo de paridade
social, das respectivas origens raciais ou étnicas” (Nascimento, 2016). Nesta
tentativa Freyre demonstra que no Brasil a contribuição cultural indígena e
negra foi um fator importante para a formação de uma identidade legitimamente brasileira, articulando um
sentimento de comunidade a partir de um “equilíbrio de antagonismos” da
diferentes raças que compõem o povo brasileiro.
O mito da
democracia racial apoiava-se, e ainda se apoia na generalização de casos de
ascensão social do mulato; este, nas palavras de Carl Degler, encontrara uma
“saída de emergência”, o que significa dizer que se desenvolveu um
reconhecimento social do mestiço no Brasil. Todavia, a assimilação e
reconhecimento social do mestiço ocorria à custa da depreciação dos negros. O
que está por trás deste mecanismo brasileiro de ascensão social é a
concordância da pessoa negra em negar sua ancestralidade africana, posto que
esta ascendência está social mente carregada de significa do negativo. Ironicamente,
dentro deste contexto da “saída de emergência”, os casos de ascensão social de
pessoas de cor não enriqueciam o grupo social dos negros, uma vez que as pessoas
de cor que ascendiam eram encaradas como “negros de alma branca”. É possível
ver estas ideias presentes num trecho de seu livro, Casa grande e Senzala:
“(...) os europeus e seus descendentes
tiveram (...) de transigir com índios e africanos quanto às relações genéticas
e sociais. A escassez de mulheres brancas criou zonas de confraternização
entre vencedores e vencidos, entre senhores e escravos. (...). A
miscigenação que largamente se praticou aqui corrigiu a distância social que de
outro modo se teria conservado enorme entre a casa-grande e a senzala.”
(FREYRE, 2006, p.33).
A perspectiva
positiva de um comportamento racial tolerante no Brasil e a harmonia entre
raças fortaleceu a crença de que no país não haveria preconceito nem
discriminação racial, mas sim oportunidades econômicas e sociais equilibradas
para diferentes grupos raciais ou étnicos (Silva et al, 2017).
Outra forma de
argumento de Freyre para afirmar que há democracia racial no Brasil é dizer que
o período da escravidão foi mais brando no Brasil. Os dados do período
escravista sobre mortalidade infantil, alforria e expectativa de vida têm de
monstra do que o mito do senhor benevolente também não encontra correspondência
com a realidade.
Um caso
ilustrativo de como a escravidão não era de nenhuma forma branda, menos
violenta aqui do que em outra colônia, são os casos de suicídio dos cativos,
praticados como ultimo recurso para forçar a classe senhorial a alguma
reivindicação do cativo, ou ainda como alternativa para escapar definitivamente
da escravidão. Na Bahia, entre 1850
e 1888 foram registrados 231 casos de suicídio (Ferreira,2009).
Freyre se
apoiou numa perspectiva comparativa com os EUA, país que lavrou leis
segregacionistas e foi (e tem sido) palco de diversos conflitos raciais abertos
durante sua história. É duvidoso dizer que na história do Brasil não existiram
conflitos raciais abertos, embora eles não tenham acontecido conforme o modelo
americano pautado em guerras declaradas, segregação, leis institucionais e
etc., mas isto não quer dizer que os conflitos raciais não existam em nosso
país. Podemos, por exemplo, mensurar esse conflito através das taxas e dos
índices que medem as diferentes faces da exclusão social de homens e mulheres
negras no país. Tais índices atestam que o racismo é um fenômeno social
presente no Brasil.
Passados anos
o Mito da Democracia racial é reacendido, rediscutido, mas não expurgado, ele
permanece alimentando um imaginário racista e advogando equilíbrio racial
leviano e impedindo a reflexão crítica acerca dos problemas raciais de nossa
sociedade. Esta aparente harmonia racial brasileira esconde em si mesma vários
processos de violências a que algumas dessas raças foram submetidas na história
da formação da nação. Diante disso vários intelectuais e estudiosos têm negado
a ideia de que o Brasil é uma democracia racial, e passaram a chamar essa ideia
de democracia de mito, um mito fundador da Nação. Exposto isso,
seria importante questionar: Se não há
equilíbrio, como a nação pode se pensar como um país tão harmônico racialmente
falando? E, por outro lado, os desequilíbrios existentes de fato geram que
tipos de desigualdades sociais?
Racismo à brasileira e o Mito fundador da nação
O mecanismo
contido no Ideal de Democracia Racial incentiva o sujeito com “um pouquinho de
sangue branco” a abandonar sua identidade racial originária do polo
Negro-africano e se encaminhar para o polo Branco-mestiço. Com este estímulo a
negar a ascendência negra se gera todo o universo simbólico fértil para o
preconceito e o escracho às características fenotípicas das populações negras,
que conforme vimos, foram indesejadas e menosprezadas durantes séculos no país.
O ideal do
embranquecimento ou a política eugenista instituída no país, pressuponha que a população negra iria
gradualmente ser eliminada quando assimilados pela população branca ao longo do
tempo.
Além disso, o Mito
da Democracia racial e ideologia do branqueamento da população brasileira
ofereceu uma herança para a nação que trouxe consequências, a ideologia racista
foi incorporada pela sociedade brasileira, alguns de seus principais efeitos
são:
1) Desvalorização da estética negra e, em contrapartida, uma
valorização da estética branca.
2) Representação espúria da população negra no Brasil. Na vida
cotidiana.
3) O Racismo se embrenhou no cotidiano de forma velada e espontânea.
4) Desenvolveu-se a ideia de que não existe raça no Brasil baseados
no fato de que “somos tudo junto e misturado”. Se por raça podemos entender um
agrupamento de humanos que compartilham traços fenotípicos, hábitos culturais,
o processo de miscigenação brasileiro impede que possamos nos referir a
diferentes grupos dentro do território nacional. O que há é a população
brasileira, com uma cultura geral. O Brasil inclusive se orgulha disso. Mas
essa ideia, é importante dizer, trata todas as diferenças que existem dentro do
país de uma mesma forma, deixando de enxergar os processos históricos de
exclusão pelos quais alguns grupos foram submetidos.
Assim
negação da raça no Brasil surge em momentos de negar justamente à certa
população direitos e reparações que tenha a ver com o passado colonial. As diferenças sociais, as
desigualdades são medidas constantemente por pesquisas, pelo menos desde a
década de 1940, portanto é inviável negá-las com base neste conhecimento.
5) Falar em raça no Brasil é visto como uma imitação das ideias
estrangeiras, principalmente dos
EUA. É um equívoco propiciado pela ideia da democracia racial novamente.
Raça
no Brasil difere de todos os outros lugares do mundo. Nós não temos um racismo
nos mesmos moldes dos EUA ou África do Sul, mas isso não quer dizer que não
haja racismo no Brasil. Por exemplo, o princípio da Hipodescendência, que
vigora nos EUA cuja classificação racial dos sujeitos dependem de sua origem e
não de sua cor, funciona exatamente
ao contrário do que há no brasil em termos de classificação social.
Este sistema leva
em conta a origem racial do sujeito isso implica algumas coisas. Para que a
política racial estadunidense funcionasse sobre este pressuposto foi necessário
uma ideologia da inferiorização da raça negra, com contra-valores de
representação desumanizantes. “Uma gota de sangue negro” é o suficiente para o
sujeito ser descriminado como negro. Haviam práticas para “esconder” a
ascendência.
No Brasil não
ocorre racismo baseado na ascendência racial dos sujeitos, mas sim em sua
fenótipos (seus traços físicos), sendo possível os sujeitos passarem de um polo
a outro, ou seja, serem enquadrados racialmente, como negros, brancos ou
morenos, dependendo do contexto em que estão.
6) Impedir o exercício crítico acerca dos problemas raciais no Brasil.
O
Sociólogo brasileiro, um dos principais estudiosos das questões de raça no
país, disse que “o brasileiro tem preconceito de ter preconceito”...
A grande pergunta a ser
respondida então é: O que esta classificação racial do tipo brasileiro implica
em termos de preconceito, Racismo e exclusão social na sociedade brasileira?
Veremos mais
nos próximos textos.
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