O ataque recente aos índios gamela, no Maranhão, deve ser avaliado
dentro de um contexto histórico
BEATRIZ DRAGUE RAMOS
No último
domingo, 30 de abril, indígenas da etnia gamela sofreram ataques de homens
munidos de armas de fogo e facões no município de Viana, no Maranhão. O
episódio deixou cerca de 13 indígenas feridos. Dois chegaram a ter as mãos as
mãos decepadas e cinco foram baleados, segundo o Conselho Indigenista
Missionário (Cimi). No mesmo dia do ataque, em entrevista à rádio Maracu, o
deputado federal Aluísio Guimarães Mendes Filho (PTN-MA) intitulou o povo
gamela de “pseudoindígenas”. O governo do Maranhão afirma que apenas cinco
ficaram feridos e que irá investigar o caso de envolvimento de políticos no
crime.
O que está por trás
do recente ataque aos indígenas no município de Viana, no Maranhão?
A presença dos
índios gamela na região de Viana é antiga. Segundo o Conselho Indigenista
Missionário (CIMI), a etnia vive na região desde 1750 e, na época, parte das
terras foram doadas pelo governo imperial. No período da ditadura, os índios
foram novamente expulsos das suas terras e passaram a viver como camponeses, escondendo
suas identidades para evitar possíveis ataques.
A partir de
2010, os índios voltam a se organizar, assumem sua identidade étnica e passam a
exigir reconhecimento em relação ao território. Desde 2014, segundo informações
do CIMI, a etnia vem encaminhando documentos aos órgãos responsáveis, como a
Funai e o Ministério da Justiça.
No entanto, a
ausência e conveniência dos aparatos do Estado brasileiro com relação a
demarcação de terras vêm dificultando a vida dos gamelas. Os índios já sofreram
ataques anteriores em 2015 e 2016 devido à morosidade das instituições
competentes diante a demarcação de terras.
O que são as terras indígenas?
As terras
indígenas são uma porção do território nacional, de propriedade da União,
habitadas por um ou mais povos indígenas e por eles utilizadas para suas
atividades produtivas, bem como para a preservação de recursos ambientais
necessários ao seu bem-estar e à reprodução de seus costumes e tradições. A
posse dos índios sobre as terras indígenas é de caráter originário, ou seja,
ela não depende do procedimento administrativo de demarcação de terras que é
meramente declaratório. Esse direito é reconhecido, por exemplo, pela
Constituição Federal, parágrafo 1º do artigo 231.
Quantas são as terras indígenas no país e onde elas estão localizadas?
Segundo a
Fundação Nacional do Índio (Funai), existem hoje 462 terras indígenas
regularizadas, que representam cerca de 12,2% do território brasileiro.
Por que é importante demarcar as terras indígenas?
De acordo com
informações da Funai, a demarcação de terras contribui para o ordenamento
fundiário do Governo Federal e dos entes federados, diminuindo a possibilidade
de conflitos e também possibilitando melhor atendimento às especificidades dos
povos indígenas. Isso se dá por meio de incentivos fiscais, repasse de recursos
federais e políticas indigenistas dentro e fora das terras indígenas. Sobretudo
em áreas de vulnerabilidade, o controle estatal torna-se mais importante.
Além dos
aspectos mencionados, a demarcação de terras promove a garantia da diversidade
étnica e cultural e a efetivação de uma comunidade pluriétnica e multicultural,
já que esses territórios são fundamentais para a reprodução física e cultural
desses povos. A medida também dá segurança aos povos indígenas isolados.
O controle
climático global é também promovido a partir da delimitação de terras
indígenas, pois, a medida protetiva fortalece a defesa do meio ambiente nos
termos do art. 225 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
A falta de demarcação de terras é a principal responsável pelos ataques
aos indígenas?
Na opinião do
secretário executivo do Cimi, Cleber Buzatto, as comunidades indígenas sofrem
com a falta de demarcação de terras e com a morosidade que vem acompanhando
esses processos. “Isto não acontece à toa. Por trás disso, estão presentes os
interesses de uma bancada ruralista, comprometida com a posse do maior número
de terras, com a exploração dessas terras e com a defesa dos interesses de
grandes fazendeiros do agronegócio”.
Segundo
Buzatto, isso vem contribuindo para o enfraquecimento das políticas
indigenistas. “A FUNAI, por exemplo, vem sendo desmantelada através da redução
de orçamento e quadro pessoal”, afirma.
Quais são os desafios na política de demarcação de terras indígenas?
Para Cleber
Buzatto, com o controle do setor do agronegócio nos poderes, as complexidades
para as minorias indígenas tornam-se crescentes. O especialista comenta sobre
um conjunto de projetos que tramitam no Congresso e buscam dificultar a
demarcação de terras.
“A Proposta de
Emenda à Constituição (PEC) 215, por exemplo, pretende transferir a competência
das demarcações e titulações de terras indígenas e quilombolas do Executivo
para o Legislativo e estabelece diversos mecanismos, tanto para a inviabilização de demarcação como para a
exploração das terras por terceiros”, explica. Instrumentos legislativos e
administrativos tramitam também, como a portaria 3030/2012 e a 80/2017.
Ele também
explica que, no âmbito jurídico, a tese do Marco Temporal, do Supremto Tribunal
Federal (STF), criada por juristas defensores do agronegócio, já foi acolhida
por alguns ministros. Nela, os indígenas só teriam direito às terras que
estivessem ocupando em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da
Constituição Federal. “A proposição é reducionista do ponto de vista do direito
e da história, já que, muitos deles não estavam em posse de suas terras nessa
época, exatamente por estarem impedidos de voltar por forças jurídicas ou
bélicas. É uma tese que evidentemente reduz e inviabiliza as demarcações da
terra no país, um instrumento agressivo em disputa no poder”, critica.

Há um levantamento dos ataques com vítimas sofridos por tribos
indígenas nos últimos anos?
Sim. O
Relatório Violência contra os povos indígenas, uma publicação do Conselho
Indigenista Missionário (Cimi), parte de dados e diversos registros – tais como
denúncias indígenas, boletins de ocorrência e informações oficiais da
Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) – para mapear a situação indígena
no país. O relatório é produzido anualmente desde 2003.
Segundo a
publicação, em 2015, foram 182 casos de violência contra a pessoa, 137 casos de
violência por omissão do poder público e 599 casos de morte na infância.
O que são Terras Indígenas?
No Brasil, quando se fala em Terras
Indígenas, há que se ter em mente, em primeiro lugar, a definição e alguns
conceitos jurídicos materializados na Constituição Federal de 1988 e também na
legislação específica, em especial no chamado Estatuto do Índio (Lei 6.001/73),
que está sendo revisto pelo Congresso Nacional.
A Constituição de 1988 consagrou o
princípio de que os índios são os primeiros e naturais senhores da terra. Esta
é a fonte primária de seu direito, que é anterior a qualquer outro.
Conseqüentemente, o direito dos índios a uma terra determinada independe de
reconhecimento formal.
A definição de terras
tradicionalmente ocupadas pelos índios encontra-se no parágrafo primeiro do
artigo 231 da Constituição Federal: são aquelas "por eles habitadas em
caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as
imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu
bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seu usos,
costumes e tradições".
No artigo 20 está estabelecido que
essas terras são bens da União, sendo reconhecidos aos índios a posse
permanente e o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos
nelas existentes.
Não obstante, também por força da Constituição,
o Poder Público está obrigado a promover tal reconhecimento. Sempre que uma
comunidade indígena ocupar determinada área nos moldes do artigo 231, o Estado
terá que delimitá-la e realizar a demarcação física dos seus limites. A própria
Constituição estabeleceu um prazo para a demarcação de todas as Terras
Indígenas (TIs): 5 de outubro de 1993. Contudo, isso não ocorreu, e as TIs no
Brasil encontram-se em diferentes situações jurídicas.
Grande parte das Terras Indígenas no
Brasil sofre invasões de mineradores, pescadores, caçadores, madeireiras e
posseiros. Outras são cortadas por estradas, ferrovias, linhas de transmissão
ou têm porções inundadas por usinas hidrelétricas. Freqüentemente, os índios
colhem resultados perversos do que acontece mesmo fora de suas terras, nas
regiões que as cercam: poluição de rios por agrotóxicos, desmatamentos etc.
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