Ticker

6/recent/ticker-posts

Ad Code

Responsive Advertisement

[Formação do Povo brasileiro] A história do (des)povoamento indígena no Brasil

A história do (des)povoamento  indígena no Brasil




 

Quantos indígenas haviam no território que viria a ser chamado de Brasil, antes da chegada dos portugueses? As estimativas de quantos indígenas viviam no Brasil pré-colonial varia. O historiador inglês John Hemming estima que haviam 2.255 milhões de indígenas no Brasil pré-colonial. Para título de comparação do decaimento populacional desses povos, nos anos 80 haviam 700 mil indígenas no Brasil. Felizmente, voltando a crescer nos anos recentes, como demonstra oo último censo demográfico que contabilizou 1,7 milhão em 2022. Compare esses números com a demografia do DF, por exemplo, com 2,8 milhões habitantes. A cidade de Samambaia possui população de 232.893 pessoas, segundo a PDAD 2018.

Vamos dar uma olhada no passado e levar em consideração que Portugal era um país com pouco mais de 1 milhão de habitantes. No início da década de 1530, a população total de Portugal era composta por não mais de 1,2 a 1,4 milhão de pessoas. Portanto, a população indígena da américa lusa era significativamente maior.

            Olhando brevemente o histórico do contato entre portugueses e indígenas notamos um histórico complexo de conhecimento múltuo, alianças e antagonismos que resultou num declínio populacional dos povos indígenas ao longo do processo colonial. Quando os portugueses chegaram ao Brasil eles não compreendiam, nem tinham interesse, em diferenciar as diferentes nações indígenas que aqui haviam, nem idiomas, nem características culturais. Por meio da expressão negros da terra se designavam genericamente os índios para diferenciá-los dos negros da Guiné, outro termo genérico usado para nominar, no caso, os africanos.

No vocabulário dos colonizadores, designar índios e africanos como negros explicitava o traço de aproximação entre os dois grupos de negros, segundo a lógica colonialista: o trabalho compulsório e a escravidão. Ou seja, ambos serviam para o trabalho escravo.

Ao longo da colonização os portugueses passaram a diferenciar alguns grupos de indígenas. Eles criaram uma classificação dual: tupi/ tapuia, o que lhes permitiu divisar diferenças, contrastes entre grupos, esboçando-se uma espécie de proto-etnografia.

Os tupis se encontravam distribuídos por toda a costa, desde o litoral de Santa Catarina até o Ceará, no Século XVI, havendo notícia deles no médio Amazonas.

Nota: A historiadora Marivone Matos Chaim realizou um estudo mostrando que antes da chegada dos europeus ao continente americano, a porção central do Brasil era ocupada por indígenas do tronco linguístico macro-jê, como os acroás, os xacriabás, os xavantes, os caiapós, os javaés. (Taguatinga, por exemplo  sufixo "-tinga" significa "branco" e "ta’wa" significa "barro", e "ta’wa’tinga" significaria "barro branco" em língua tupi).

Os nativos foram identificados como pertencentes a múltiplas “castas”, “gerações” e sobretudo nações, sendo nação palavra que, na época, era utilizada para designar o estrangeiro, o que se diferenciava pela língua, costumes ou religião. Assim, os povos que falavam a “língua geral”, foram denominados, com diferentes grafias, de tupinambás (Tupis), tupiniquins, potiguares, caetés, tamoios, temiminós, etc. Em oposição aos “tapuias” também foram identificados como aymorés, goitacazes, guaianás, kariris, etc. 

Com as nascentes lavouras que se instalaram no território colonial, vários grupos se engajariam no fornecimento de escravos para os portugueses em troca de armas, o que fez ativar a limites extremos a “máquina de guerra” característica da cultura Tupinambá. 

A exacerbação da guerra seguia de perto, assim, a demanda colonial de mão-de-obra, o tráfico e a escravidão indígena. A chegada dos jesuítas, em 1549, e o deslanchar do processo missionário em aldeamentos erigiu, até certo ponto, uma barreira à escravização generalizada, para o que a Companhia contou com o apoio da Coroa.

[O aldeamento indígena é a realização do projeto colonial de ocupação do território, de reserva de mão de obra e de aculturação dos índios. Na segunda metade do século XVI, a política de aldeamentos esteve associada à ação dos jesuítas. A ação missionária consistia no deslocamento, também chamado descimento, de índios de seu território para aldeias jesuíticas no litoral, sedentarização dos índios por meio do trabalho agrícola, adoção de “costumes cristãos”, dentre os quais o uso da chamada língua geral e o abandono do idioma nativo. O aldeamento de índios obedecia, com efeito, a conveniências várias. Serviam de infraestrutura, fonte de abastecimento, reserva de mão de obra, contingente para lutar nas guerras movidas contra os “índios bravos” ou inimigos estrangeiros, atendendo aos interesses regionais ou da Coroa e também aos dos moradores locais.]

As medidas régias mais importantes nesse sentido foram as Leis de 1570 e sobretudo a de 1609, restringindo e proibindo o cativeiro indígena. Não obstante, a ação apresadora e o tráfico de escravos índios prosseguiu no litoral durante todo o Século XVI, somente diminuindo em função do decréscimo avassalador da população nativa do litoral. Abriu-se, então, na passagem do Século XVI para o XVII, o caminho para a difusão da escravidão africana na economia açucareira.

Para este autêntico desastre demográfico contribuíram decerto a exacerbação das guerras e do cativeiro. Mas a própria catequese jogou papel decisivo no “despovoamento tupinambá” do litoral, e não apenas porque buscava erradicar a identidade cultural dos nativos por meio do catolicismo, mas sobretudo em função de serem os aldeamentos erigidos nas cercanias dos engenhos e vilas coloniais. As missões jesuíticas se tornaram, muitas vezes, um preâmbulo da escravização e um viveiro de epidemias. Principalmente a varíola, em ondas sucessivas a partir da década de 1560, dizimou aldeias inteiras, flagelando a população indígena da Bahia, sem excluir outras capitanias e o planalto paulista. Mas igualmente o sarampo, gripes, “febres malignas” e outras moléstias para as quais os nativos não tinham anticorpos naturais, tiveram ação decisiva no declínio demográfico indígena na costa.

Diversos grupos indígenas resistiram e moveram ataques aos núcleos de povoamento portugueses, destruíram engenhos, fizeram abortar diversas capitanias hereditárias, dentre as implantadas no Brasil por D. João III. Os Aymoré, por exemplo, foram permanente flagelo para os colonizadores durante o Século XVI, na Bahia, não havendo expedição que os derrotassem, dentre as várias enviadas aos “sertões” pelos governos coloniais.

Com o acirramento da ocupação colonial, as mortes e captura, vários grupos indígenas empreenderam migrações em busca da Terra sem Males, morada dos ancestrais, terra de abundância e imortalidade, que existiam no imaginário destas culturas nativas. Isto os afastou do litoral no rumo dos “sertões” (invertendo, assim, o sentido da migração que outrora caracterizara o povoamento Tupi nas terras brasílicas). Tratou-se, neste caso, de movimentos migratórios de forte base religiosa, com nítidos ou messiânicos, e não raro dotados de morfologia híbrida, meio-católica, meio- indígena, uma vez que várias lideranças nativas desses movimentos haviam já passado pela catequese ou tinham mesmo nascido nos aldeamentos jesuíticos.

 

 

Alianças indígenas


Os indígenas reagiram de formas variadas às crises desencadeadas pela colonização. Temos então, um quadro heterogêneo de como diferentes grupos indígenas lidavam com a ocupação e as ações dos europeus no território “brasileiro. “Nações” inteiras, por exemplo, optaram por se aliarem aos inimigos dos portugueses, como os Tamoio, no Rio de Janeiro, fortes aliados dos franceses nas guerras dos anos de 1550-1560, ou dos Potiguar, boa parte dos quais resistiram com os franceses durante algum tempo na Paraíba e atual Rio Grande do Norte. Mais adiante, por ocasião das invasões holandesesas em Pernambuco, parte dos Potiguar forneceria precioso auxílio aos flamengos, celebrizando lideranças como Pedro Poti e Antônio Paraupaba, índios que se converteram ao calvinismo e galgaram postos de comando na administração da Companhia das Índias Ocidentais, entre 1630 e 1654.

É vastíssima a lista de lideranças indígenas que conduziram seus grupos a alianças com os colonizadores, escoltando-os nos “sertões” com flecheiros, combatendo “nações” rebeldes ou hostis aos portugueses, guerreando contra os rivais  europeus da colonização lusitana. É certo que esta “adesão” aos portugueses não raro obedecia à lógica nativa e por meio dela se buscava reforçar a luta contra inimigos indígenas tradicionais, os quais, muitas vezes, por idêntica razão, se aliavam aos inimigos dos portugueses. Mas, seja como for, sem o apoio dos guerreiros temiminós liderados por Araribóia seria muito difícil aos portugueses derrotar os franceses na baía de Guanabara, nos anos de 1560.

O chefe potiguar Zorobabé, depois de lutar ao lado dos franceses, em fins do Século XVI, passaria para o lado lusitano e seria recrutado para combater os Aymoré na Bahia e até para reprimir os nascentes quilombos de escravos africanos.

Mas nenhuma liderança indígena seria tão notável como o potiguar Felipe Camarão no  contexto das guerras pernambucanas contra os  holandeses no Século XVII. Camarão combateu os flamengos, os tapuias e os próprios “potiguares” que, ao contrário dele, se bandearam para o lado holandês, recebendo por isso o título de Cavaleiro da Ordem de Cristo, o privilégio de ser chamado de “Dom” e pensões régias, entre outros privilégios. Diversas lideranças pró-lusitanas receberiam antes e depois de Camarão privilégios similares, criando-se no Brasil autênticas linhagens de chefes indígenas nobilitados pela Coroa por sua lealdade a Portugal.

 

Foi o apoio indígena que ajudou o hesito da colonização portuguesa. No entanto, Nos meados do Século XVIII, a Coroa portuguesa passava por reformas significativas dirigidas pelo ministro Marquês de Pombal. Reformas que previam, em grande medida, a secularização do Estado e da administração pública, inclusive nas colônias. Foi neste contexto que os jesuítas foram expulsos da América Portuguesa e que se instituiu o Diretório, a nova política indígena que, não obstante as mudanças que iria sofrer no Século XIX, marcaria profundamente a relação do Estado com as populações indígenas após a independência.

Despovoamento, incompreensão,  cumplicidades, massacres; resistências, lutas, recriação de identidades culturais: de tudo isto se compõe a história indígena nos 500 anos de contato. 500 anos de encontros e conflitos, entre a “indianização” de brancos e “ocidentalização”  de índios, entre os caboclos da umbanda e o  assassinato de índios.

 ______

Texto adaptado do livro Brasil 500 anos de povoamento. Referência do texto: HISTÓRIA INDÍGENA: 500 anos de despovoamento, de Ronaldo Vainfas.


Leia também esse artigo do Nexo Jornal (boa fonte de leitura para atualidades na preparação do PAS), sobre a importância dos povos indígenas e seus territórios para a preservação da biodiversidade brasileira.

https://www.nexojornal.com.br/como-os-povos-e-as-terras-indigenas-protegem-a-biodiversidade



 

Postar um comentário

0 Comentários