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Ocupação e urbanização dos cerrados: desmatamento e desigualdade social.





Introdução

A região Centro-Oeste tem sofrido modificações significativas nas últimas quatro décadas. Esse fenômeno intensificou-se com a modernização da agricultura, o que possibilitou condições competitivas para a produção de commodities. Esse processo, implantado por uma Política de Estado, modificou as relações de trabalho no campo, substituindo o modelo de produção voltado para a subsistência por um modelo que contemplava fundamentalmente a produção de mercadorias destinadas para o mercado exportador; desmantelando a produção agrícola calcada na agricultura familiar e liberando para as cidades uma leva significativa de migrantes. Este conjunto de fatores resultou numa forte desigualdade social que é possível ver presente na região do Centro-Oeste ainda nos dias de hoje.



Características importantes do cerrado

Os cerrados são um tipo de vegetação que se caracteriza por uma variedade de árvores baixas e retorcidas, típicas do Centro-Oeste brasileiro, mas que podem também ser encontradas na Amazônia, em parte do Nordeste e Sudeste Brasileiro e até mesmo no Sul, embora em menor quantidade. Ele é o segundo maior bioma brasileiro (após a Amazônia) e concentra nada menos que um terço da biodiversidade nacional e 5% da flora e da fauna mundiais. No que se refere à flora, é considerada a mais rica dentre as savanas existentes no mundo. Destaque-se que o cerrado ocupa posição estratégica, tanto do ponto de vista hidrográfico quanto da geografia econômica.
No que se refere à sua hidrografia o cerrado desempenha papel importante como alimentador das principais bacias hidrográficas brasileiras. O cerrado é a cumeeira da América do Sul, distribuindo águas para as grandes bacias hidrográficas do continente. Isso ocorre porque na área de abrangência do Cerrado se situam três grandes aquíferos, responsáveis pela formação e alimentação dos grandes rios do continente: o aquífero Guarani, Bambuí e Urucuia. Estes aquíferos, que se vêm formando durante milhões de anos, de pouco tempo para cá não estão sendo recarregados como deveriam, para sustentar os mananciais. Isso ocorre porque a recarga dos aquíferos se dá pelas suas bordas nas áreas planas, onde a água pluvial infiltra e é absorvida cerca de 60% pelo sistema radicular da vegetação nativa, alimentando num primeiro momento o lençol freático e lentamente vai abastecendo e se armazenando nos lençóis mais subterrâneos.
Com a ocupação dos chapadões de forma intensa, que trouxe como conseqüência a retirada da cobertura vegetal, sua substituição por vegetações temporárias de raiz subsuperficial, a água da chuva precipita, porém não infiltra o suficiente para reabastecer os aqüíferos. Conseqüência, com o passar dos tempos, estes vão diminuindo de nível, provocando, num primeiro momento, a migração das nascentes, das partes mais altas, para as mais baixas e a diminuição do volume das águas, até chegar o ponto do desaparecimento total do curso d'água. Convém ressaltar que este é um processo irreversível.
Em suma, o cerrado é considerado uma das principais áreas de ecossistemas tropicais da Terra, sendo um dos centros prioritários para a preservação da biodiversidade do planeta. Entretanto, vários fatores têm contribuído para alterar essa situação. Dentre eles, ressaltam-se a pressão urbana e o rápido estabelecimento de atividades agrícolas na região, o que tem provocado uma rápida redução da biodiversidade desses ecossistemas.



Ocupação desordenada do cerrado e desigualdades sociais nos centros urbanos

A posição estratégica do cerrado vem atraindo investimentos a partir dos anos 1970, pelas seguintes razões: por estar no centro do país, portanto próximo dos grandes centros consumidores; pela sua malha rodoviária que facilita o escoamento da produção; pelo desenvolvimento de cultivares adaptados ao solo e clima; pela sua geografia com grandes extensões de planícies, o que propicia o desenvolvimento da pecuária e da agricultura mecanizada, dentre outras. Por isso, grandes empresas agropecuárias instalaram-se no Centro-Oeste, graças aos incentivos governamentais, transformando a região numa das principais produtoras de commodities oriundos das agroindústrias.
Atualmente, a região é responsável por cerca de um terço da produção brasileira de grãos. Da mesma forma, grandes extensões de terras foram ocupadas com pastagens para a produção de carne e leite.
Destaquem-se dois aspectos relevantes. O primeiro é historicamente conhecido e refere-se ao desmantelamento das formas de produção rudimentares de cultivo da terra, voltadas para a subsistência das famílias envolvidas. Esse processo foi hegemônico até o final dos anos 60 e foi sendo substituído por uma estrutura econômica e tecnológica moderna a partir dos anos 70. Tal fato viabilizou uma produção que visava, sobretudo, o mercado exportador. Sob esse aspecto, estudiosos vêm analisando o agravamento das condições socioeconômicas nos centros urbanos provocado pelo afluxo intenso de pessoas para as cidades.
Outro aspecto tem a ver com a forma como se utiliza o solo e os problemas ambientais derivados de seu uso. Inúmeros estudos, principalmente do Centro de Pesquisas Agropecuárias dos Cerrados (CPAC) e da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), têm apontado as fragilidades do cerrado no que se refere à sua forma de ocupação, ou seja, ocupar esse bioma como área de fronteira é exaurir dele toda a fertilidade que possui, fertilidade essa que tem como função garantir o futuro do próprio bioma.
Vale observar quanto à abundância de água nos cerrados e sua função irrigadora do próprio solo e a maneira como o desenvolvimento da agroindústria na região desregula  o ciclo da água.  Ao fazer uso intensivo de pivôs de irrigação, a agroindústria coloca em risco as fontes perenes de água, muitas delas provenientes de “águas profundas”. E estima-se que o consumo de água em pivôs, em certas épocas, chega a 3,45 bilhões de litros utilizados em irrigação diariamente, apenas no estado de Goiás – cerca de 20 vezes o consumo doméstico diário do milhão de pessoas que vive em uma cidade como Goiânia. É um risco, uma vez que não se tem conhecimento confiável dos aqüíferos da região, suas áreas de recarga e descarga, seus ciclos internos e sua capacidade de suporte.
Outro problema está relacionado ao uso de fertilizantes e agrotóxicos, sobre os quais só recentemente o Congresso Nacional produziu legislação específica visando o controle de sua utilização. Ainda assim, um controle mais efetivo esbarra na morosidade e deficiência do aparato de fiscalização.
No caso do cerrado, o processo perverso de preparo da terra, visando ampliar a produção de grãos e de carne, está exaurindo as potencialidades naturais de seu solo e tornando o acesso à água cada vez mais difícil, na medida em que o lençol freático vai ficando mais profundo. Como conseqüência, várias nascentes secaram. 
É pertinente relacionar as desigualdades sociais nas cidades às questões ambientais advindas de um processo produtivo não sustentável do ponto de vista ecológico como tem sido o caso da ocupação do Centro Oeste.



Metamorfose urbana no Centro-Oeste e no Planalto Central brasileiro

No Governo JK, foi criado o Distrito Federal (DF), iniciando-se a construção de Brasília. Em 1977 e 1989, os estados de Mato Grosso e Goiás, respectivamente, foram subdivididos. Dessa forma, atualmente a Região Centro-Oeste é constituída pelos estados de Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e pelo Distrito Federal.
O Centro-Oeste brasileiro ocupa 18,8% do território nacional e possui uma popula- ção de mais de 11,5 milhões de habitantes, representando 6,9% da população total brasileira. Desse contingente, 86,7% residem nas cidades. Percebe-se que todos os estados da região têm sua população vivendo majoritariamente nas cidades. Esse grau elevado de urbanização vem ocorrendo a partir dos anos 1970. Até então, a população do Centro-Oeste era predominantemente rural. Isso significa que a dinâmica econômica das cidades existentes era determinada pelo setor rural, cuja base econômica era constituída por uma economia de subsistência, o que, em termos de renda, empobrecia a economia de toda a região.
A partir de 1970, esse quadro alterou-se, tanto do ponto de vista econômico quanto da urbanização. O Centro-Oeste passou a ser, em termos relativos, a região que mais cresceu economicamente em todo o país. Também a que mais se urbanizou. Os números confirmam que houve uma mudança radical no perfil de sua ocupação a partir desse ano. A densidade demográfica no Centro-Oeste teve crescimento assustador em relação ao conjunto das outras
Esse estudo reconhece, portanto, que a região tinha como característica uma população rarefeita, o que lhe conferia um adensamento pouco significativo e uma economia assentada em formas arcaicas de relações sociais (pecuária extensiva, agricultura de subsistência, regime de posse da terra e de trabalhadores agregados).
Deste modo a região Centro-Oeste deixou de ser majoritariamente rural e passou a ser majoritariamente urbano a partir da década de 1970, exatamente quando o governo federal fez-se presente através da injeção de grandes somas de recursos na região. Vale destacar que as ações governamentais, por um lado, estimularam o desenvolvimento agroindustrial da região; mas por outro, provocou grandes impactos nos espaços urbano e rural, alterando o perfil socioespacial da região e o direito de acesso à terra.
Se, por um lado, as práticas modernas possibilitaram o rápido desenvolvimento de grandes áreas do Centro-Oeste, por outro, trouxeram problemas de natureza social que foram desaguar nas médias e grandes cidades. Em outros termos, a combinação de fatores tecnológicos aliados à experiência em agricultura de exportação e os investimentos públicos produziram, de fato, um novo modelo que resultou num processo de esvaziamento do campo e concentrou nas cidades o excedente rural que fora expulso.
Observe-se a perversidade desse novo modo de acumulação: a entrada de capital moderno na agricultura, voltado para a produção de commodities, substituiu não só os despossuídos assentados na fase anterior (até os anos 60), mas também a produção tradicional como arroz, feijão, milho e mandioca, necessária à economia de subsistência, mas também importante para minimizar o custo da reprodução da força de trabalho nas cidades.
Com os incentivos e financiamentos governamentais, a produção no campo passou a atuar sob a lógica capitalista no complexo grãos e carne, com busca crescentes de produtividade, voltando-se prioritariamente à exportação.



Conformação de uma rede urbana concentrada

O processo de desenvolvimento urbano do Centro-Oeste revestiu-se de uma dinâmica contraditória marcante. De um território pouco adensado e com uma base econômica extremamente precária, evoluiu para um processo acelerado de urbanização sustentado por uma economia voltada para o abastecimento do mercado externo. Os migrantes que para cá se dirigiam estavam ligados às atividades de natureza tradicional e eram basicamente constituídos de trabalhadores despojados de meios de produção. Com o advento da modernização da agricultura e a intensificação industrial das economias urbanas, num quadro de dependência, alterou-se o perfil do migrante. Entraram em cena os migrantes vindos do sul do país, detentores de capital, de novos conhecimentos e apoiados por incentivos governamentais. A combinação de capital, trabalho mais qualificado para lidar com equipamentos modernos e incentivos fiscais engendraram uma nova economia, voltada para o mercado externo.
A produção anterior tinha como objetivo principal abastecer a própria região e, muito raramente, o mercado externo, já que produzia excedente apenas para os mercados locais, portanto, insuficientes para atender à demanda externa. Isso permite concluir que as disparidades regionais não seriam superadas enquanto os investimentos públicos se dirigissem predominantemente para o grande capital.
O processo de urbanização, visto sob o aspecto populacional, foi extremamente acelerado em todo o Centro-Oeste, principalmente nas cidades médias e grandes. Num primeiro momento, elas tiveram sua população aumentada em função dos vários fluxos migratórios internos e externos e, num segundo momento, funcionaram como “imãs”, atraindo para si e para seus respectivos entornos grandes contingentes populacionais, já como fruto de uma mobilidade mais interna do que externa.
Essa dinâmica resultou num processo de “urbanização concentrada”, o que implicou a existência de poucas cidades com população elevada. Vale destacar que as ações governamentais, de um lado, estimularam o desenvolvimento da região, sobretudo as atividades agropastoris e agroindustriais a partir dos anos 70; de outro lado, porém, provocaram grandes impactos nos espaços urbano e rural, desertificando alguns municípios ao provocar a migração em massa para os centros urbanos.
Se, por um lado, a concentração em cidades disponibiliza mão-de-obra abundante e barata, por outro, por ser abundante e mal remunerada, gera problemas urbanos de toda ordem. Assim, Goiânia e Brasília produziram periferias internas nos seus respectivos territórios e no entorno de suas respectivas áreas de influência que funcionam como “tapete” para onde se varre a sujeira que incomoda e desvirtua a beleza das chamadas “áreas nobres” - as manchas de pobres que emolduram a paisagem urbana e comprometem o visual da cidade. Os espaços do “entorno”, ou seja, das Regiões Metropolitanas, são formados pela incapacidade de os núcleos centrais absorverem a pressão das correntes migratórias. Nesse sentido, acabam funcionando como “biombos” para reduzir as pressões sobre as áreas centrais. Entretanto, o que se verifica é que, nas Regiões Metropolitanas, também estão se formando espaços ocupados por enormes “manchas de pobrezas” cada vez mais inseridas num processo crescente de segregação social, em que imperam a insegurança, a criminalidade incontrolável, o alcoolismo, os desajustes familiares e o desemprego crescente.



Considerações finais

São vários os processos humanos de ocupação dos cerrados com fins econômicos: a exploração do ouro e de pedras preciosas (século XVIII); a criação extensiva de gado (a partir do século XIX) e, mais recentemente, a produção de commodities, processos esses que consolidaram a presença humana nos espaços urbanos. Por que o período pós 1970 é considerado o mais devastador do ponto de vista ambiental e social? Porque as atividades produtivas, não só no Centro-Oeste, mas em todo o país, a partir da década de 1970 passam a se orientar por uma dinâmica econômica que procura a maximização dos investimentos a todo custo. É o período da entronização real do capitalismo na sociedade brasileira, quando este, já amadurecido, encontra-se pronto para sua inserção internacional. Para essa inserção, mais do que nunca, existe a necessidade de se abrirem novas fronteiras e modernizar a produção e sua forma de organização política, social e ideológica.
As conseqüências ambientais que resultam da forma predatória de como o capital se apropria das terras dos cerrado no Centro-Oeste são muitas. Nas décadas de 1970 e 1980, houve o deslocamento da fronteira agrícola para o Centro-Oeste, com base em desmatamentos, queimadas, uso de fertilizantes químicos e agrotóxicos, cujos efeitos antrópicos modificam as áreas do Cerrado, tendo como conseqüência o aparecimento de grandes voçorocas, o assoreamento dos cursos d’água e o envenenamento de ecossistemas.
Essa decisão de expandir as atividades agrícolas exigiu o uso indiscriminado de agrotóxicos que, por sua vez, contaminam o solo e as águas e comprometem mais ainda as bacias hidrográficas já ameaçadas em decorrência de sua exploração exaustiva para uso da agricultura irrigada. Atualmente, cerca de 70% do Cerrado é utilizado para a agropecuária, principalmente para o cultivo da soja.
Lamentavelmente, os cerrados continuam sendo um bioma ainda esquecido pelos brasileiros, até mesmo pelas pessoas que habitam o Centro-Oeste e que vêem com bons olhos o processo de desenvolvimento pelo qual está passando. Ou seja, o próprio homem do Centro-Oeste não leva em consideração a biodiversidade presente nesse bioma e as ameaças que pairam sobre ele com a perspectiva do “progresso”. No dizer de Corrêa (2000), “durante a construção de Brasília, não houve preocupação com a preservação do cerrado: afinal, ali estava a ‘vegetação lixo do Brasil’, que precisava ser eliminada para ceder espaço à urbaniza- ção”. Palavras duras, mas que expressam a concepção que os empreendedores tinham dos cerrados e que, abruptamente, a partir dos anos 70, foi se alterando, tendo como base os estudos da Embrapa que sinalizavam para o seu aproveitamento produtivo. O fato é que, em pouco menos de quarenta anos, a paisagem dos cerrados no Centro-Oeste mudou radicalmente em função dos interesses estruturais do desenvolvimento econômico brasileiro.
Os efeitos ambientais desse processo de ocupação perversa, em decorrência das atividades humanas, permanecem castigando o território centroestino até os dias de hoje, contraditoriamente, como constata Correa, quando observa que há “desequilíbrio, francamente favorável a alguns setores da sociedade e desfavorável para o meio ambiente”.


Autores: Aristides Moysés e Eduardo Rodrigues da Silva. 

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